A SDI/SES-SP entrevistou o Padre Júlio Lancellotti, pároco da paróquia de São Miguel Arcanjo e referência na luta pelos direitos humanos, conhecido por suas atividades com menores infratores e pessoas em situação de rua. Durante a conversa, o sacerdote falou um pouco sobre seu trabalho, comentou a respeito da impossibilidade de se recensear a população de rua no Censo – tema para o qual o IBGE está estudando alternativas –ressaltou a importância do Censo e revelou detalhes sobre sua experiência respondendo ao questionário do Censo 2022.
Olá, Sr. Júlio Lancellotti! Muito obrigado por ter recebido a equipe da SDI/SES-SP. Para começar, poderia falar um pouco sobre você e seu trabalho?
Padre Júlio: Primeiramente, não costumo chamar minha atividade de “trabalho”, mas sim “convivência”. Eu procuro conviver com as pessoas em situação de rua. Eu aprendo com as pessoas mais necessitadas todos os dias, elas sempre me ensinam algo.
Há quanto tempo o senhor está envolvido com atividades de ajuda à população em situação de vulnerabilidade social?
Padre Júlio: Essa pergunta é difícil de responder. Eu não sei se “ajudo” alguém… na realidade, talvez eu que seja ajudado. Além disso, como medir o que é “vulnerabilidade”? De certa forma, todos nós estamos em uma situação de vulnerabilidade. Eu tenho, você tem, todos nós temos. Porém, com os efeitos de uma sociedade desigual, que permite que centenas de pessoas não tenham moradia, passem fome e não tenham acesso a remédios… bem, eu já lido com esse tipo de questão há algumas décadas.
Quando se fala em vulnerabilidade, parece que toda a sociedade está maravilhosamente organizada e existe apenas uma parcela da população que se encontra em uma situação calamitosa e ninguém sabe exatamente o porquê. Na realidade, o que existem são pessoas descartadas. Pessoas que foram descartadas pela miséria, pela desigualdade e por essa falsa ilusão de meritocracia. Criaram essa ideia de que “só quem merece vai comer, então, quem não merece, que passe fome”. Isso não é verdade. Como é que a gente enfrenta as injustiças? Aqueles que mais precisam, são os que têm menos oportunidades. Por isso, a convivência com essas pessoas é importante.
No ano passado, em entrevista ao podcast “Mano a Mano” (programa apresentado por Mano Brown, líder do grupo de RAP Racionais Mc’s), o senhor mencionou algumas vezes a importância do Censo para a compreensão da realidade brasileira atual e até comentou acerca de uma conversa particular que teve com os recenseadores. Por favor, poderia comentar sua opinião sobre a pesquisa? Os dados do Censo influenciam o seu trabalho?
Padre Júlio: Comentei que pessoas que residem nas ruas não aparecem na contagem do IBGE, pois a instituição apenas contabiliza quem tem domicílios. Ou seja: quem não tem domicílio, não é recenseado. Perante a constituição, quem está em situação de rua tem os mesmos direitos daqueles que possuem domicílios. Neste Censo 2022, quem mais tem demonstrado rejeição à pesquisa são aqueles que já possuem domicílios, principalmente aqueles que residem nos melhores domicílios! Não é “povão” pobre que está rejeitando o Censo, mas sim a população que mora nos condomínios.
Novamente, a população que mais precisa de políticas públicas irá ficar de fora da pesquisa e os menos necessitados serão atendidos. Apesar de ter algumas críticas à pesquisa, que deveria adotar uma metodologia própria para a população de rua, ainda acredito que o Censo do IBGE é muito importante para que a gente possa ter uma noção sobre as desigualdades que assolam o Brasil.
Para finalizar, o senhor já respondeu ao Censo?
Padre Júlio: Sim! Quando o recenseador chegou lá em casa, eu até o convidei para entrar e ofereci água, café…. a entrevista foi super rápida, durou 3 minutos.
Senhor Lancellotti, novamente, agradeço profundamente pelo tempo cedido. Uma última fala?
Padre Júlio: Responda ao Censo! É importante para que o Brasil se conheça, se reconheça e se transforme. Participe!